Os brasileiros Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, e Luckas Viana dos Santos, de 31, retornaram ao Brasil nesta quarta-feira (19) após passarem três meses como reféns de uma máfia especializada em golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático.
Os dois embarcaram na terça-feira (18) em Bangkok, na Tailândia, e desembarcaram por volta das 16h no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Assim que chegaram, prestaram depoimento à Polícia Federal antes de se reunirem com suas famílias, que os receberam emocionadas.
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Phelipe e Luckas foram vítimas de tráfico humano depois de aceitarem falsas ofertas de emprego em 2024. Eles acabaram sendo levados para KK Park, em Mianmar, um local conhecido como “fábrica de golpes online”. Após conseguirem escapar junto com outros imigrantes, foram resgatados no dia 9 de fevereiro com a ajuda da ONG “The Exodus Road”.
“Estou tomada pela emoção. Foram meses de sofrimento, mas agora acabou”, disse Cleide Viana, mãe de Luckas. “Graças a Deus estou ao lado do meu filho. A todos que ajudaram, meu agradecimento”, completou.
Luckas relatou as agressões que sofreu enquanto esteve em cativeiro. “Fui espancado e preso por tentar entrar em contato com minha família. Fiquei detido por 20 dias. Agora, finalmente, estou com meus familiares e sou muito grato por isso”, afirmou.
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Durante seu relato no aeroporto, sua mãe passou mal ao ouvir os detalhes pela primeira vez. Até então, ela desconhecia a gravidade da situação pela qual seu filho havia passado.
Já Antônio Ferreira, pai de Phelipe, celebrou o retorno do filho. “Agora é só alegria e felicidade. Vida que segue. Seja bem-vindo à liberdade, meu filho.”
Phelipe também expressou alívio ao reencontrar a família. “Estou muito feliz e me sentindo seguro. Sou grato à ONG e à imprensa. Agora, quero descansar tudo o que não pude nesses meses”, afirmou.
Cíntia Meireles, diretora da Exodus Road, esteve no aeroporto para acompanhar o reencontro. “Devolver um filho para uma mãe e um pai não tem preço. Cumprir essa missão é muito gratificante. Nossa base na Tailândia trabalha para resgatar o maior número possível de vítimas de tráfico humano e para prevenir que mais pessoas passem por isso”, explicou.
O pesadelo em KK Park
Antes de serem resgatados, Phelipe e Luckas foram forçados a trabalhar em um esquema de fraudes virtuais, aplicando golpes online em vítimas de diversas partes do mundo. A rotina no cativeiro era marcada por longas jornadas de trabalho, ameaças constantes e punições severas para aqueles que tentassem resistir.
Phelipe relatou que sua função era enganar clientes, fingindo se tratar de um investimento legítimo. “No início, coletávamos informações pessoais. Depois, prometíamos comissões falsas para convencê-los a depositar dinheiro. A fraude começava com valores menores, como 150 dólares, mas podia chegar a 5 mil dólares”, explicou.
Por ser brasileiro, ele foi obrigado a aplicar golpes em outros brasileiros. “Mas os brasileiros são mais espertos e costumavam perceber que era fraude. Já pessoas de outros países, como Rússia e Ucrânia, eram mais fáceis de enganar”, contou.
Além do trabalho forçado, os reféns enfrentavam punições brutais. “Tínhamos metas diárias, e quem não as cumprisse era punido. Eu fui obrigado a fazer agachamentos sobre uma superfície com pregos. Comecei com 100 repetições, depois 300 e, por fim, 500. Minhas pernas travaram, mas eu ainda tinha que continuar trabalhando”, relatou Phelipe.
Luckas também foi torturado. Ele chegou a ser amarrado e mantido em um quarto escuro por dias. “Tinha medo de ser eletrocutado, porque sabia que isso poderia matar”, desabafou.
O plano de fuga
Apesar da vigilância dos sequestradores, os dois brasileiros conseguiram se comunicar com ativistas e planejaram a fuga com a ajuda de outros reféns. A primeira tentativa seria no dia 1º de janeiro, mas foi adiada devido ao risco de segurança. No final, decidiram fugir no dia 8 de fevereiro.
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Durante a fuga, um dos guardas os perseguiu com um facão e ordenou que voltassem. Eles foram recapturados e espancados, perdendo as esperanças. No entanto, no dia seguinte, um grupo rebelde da etnia Karen invadiu o local e os resgatou. “Foi quando desabei em lágrimas”, contou Phelipe.
Recomeço no Brasil
Agora em segurança, os dois planejam reconstruir suas vidas. Phelipe pretende concluir a faculdade e buscar acompanhamento psicológico para lidar com os traumas.
Ele também alerta para os perigos de falsas promessas de emprego no exterior. “Muita gente sonha em trabalhar fora, mas é preciso ter muito cuidado. Sempre pesquise sobre a empresa e verifique se ela é legalizada. O que passei destruiu meus sonhos”, afirmou.
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O caso dos dois brasileiros evidencia a crescente atuação de redes criminosas que atraem trabalhadores para o Sudeste Asiático sob falsas promessas, transformando-os em vítimas de tráfico humano. O Itamaraty reforça a necessidade de precaução e alerta que tem intensificado esforços para conscientizar sobre esse tipo de golpe.
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