Ex-coach perguntou a apresentador sobre caso de assédio sexual envolvendo funcionária da Band, que, segundo o candidato tucano, teria sido arquivado
Por Hyndara Freitas
e Vitória Abel
O debate entre candidatos à prefeitura de São Paulo realizado pela TV Cultura neste domingo precisou ser interrompido às pressas no quarto bloco por causa de uma agressão de José Luiz Datena (PSDB) contra Pablo Marçal(PRTB). O apresentador atirou uma cadeira no candidato rival, e a TV Cultura chamou o intervalo. Na volta da programação, a TV anunciou que Datena havia sido expulso do debate, e Marçal afirmou que deixaria o evento para procurar atendimento médico.
Datena agride Marçal com uma cadeira
A agressão ocorreu quando Marçal voltou a provocar Datena sobre uma acusação de assédio sexual, que tinha sido tema do primeiro bloco do programa. Datena chamou Marçal de “bandidinho, ladrãozinho de dados” e afirmou que a acusação “custou muito” para ele e sua família. Marçal então disse que “o Brasil quer saber que horas você vai parar” e chamou o apresentador de “arregão”.
— Você atravessou o debate esses dias para me dar um tapa, você não é homem nem para fazer isso — falou Marçal, que neste momento foi atingido por Datena.
Após a agressão, a assessoria de imprensa de Marçal afirmou que o candidato foi “brutalmente agredido por Datena e precisou ir às pressas para o hospital” Sírio Libanês. Também afirmou que era “um absurdo o debate continuar” após o ocorrido.
“Pablo Marçal foi covardemente agredido por José Luiz Datena, que o golpeou na região das costelas com uma cadeira de ferro. Infelizmente, Marçal precisou sair do debate às pressas, em uma ambulância, para receber cuidados médicos em caráter emergencial. É lamentável que o debate tenha continuado, mesmo sem a presença do candidato agredido.Pablo Marçal está ferido, com suspeita de fraturas na região torácica e muita dificuldade para respirar. Esperamos que as medidas judiciais cabíveis sejam tomadas e contamos com as orações do povo”, diz a campanha de Marçal.
No retorno do debate, o apresentador Leão Serva lamentou pelas “cenas de pugilato” e disse que “vivemos um dos momentos mais absurdos da história da TV brasileira”. Datena foi expulso do debate e Marçal disse que se sentiu mal, e deixou o debate para procurar atendimento médico.
— A decisão foi expulsar o candidato Datena do debate conforme estava previsto no regulamento aceito por todos, porque ele cometeu três falhas graves sucessivas, duas palavras de baixo calão, antes de uma agressão física. O candidato Marçal antes estaria estourando o tempo, então ele estaria na marca do pênalti, mas ele agredido pelo Datena, disse que estava se sentindo mal, foi para buscar atendimento de saúde e preferiu deixar o debate. Consultados, os candidatos decidiram ficar no debate e fazer o debate de bom nível que você eleitor merece. Eu peço desculpas em nome da TV Cultura — falou o apresentador.
Depois de ser expulso, em conversa com jornalistas, Datena disse que perdeu a cabeça por se sentir agredido:
— Tive que responder por uma coisa que eu não devia, não devo, e que eu não cometi, jamais cometi, uma barbaridade dessa contra a mulher, em momento nenhum e jamais cometeria. Eu dou minha palavra de honra. A partir do momento que eu me senti agredido ali, eu vi a figura da minha sogra, que, repito, morreu por causa disso, e infelizmente eu perdi a cabeça. Não devia ter perdido? Acredito que não. Poderia ter simplesmente saído do debate e ido embora pra casa, que era muito melhor. Mas, do mesmo jeito que eu choro como uma reação humana, essa foi uma reação humana que eu não pude conter.
Acusações desde o primeiro bloco
O debate começou com troca de acusações entre Datena (PSDB) e Marçal (PRTB). O apresentador se recusou a dirigir uma pergunta ao ex-coach, porque o adversário teria “subvertido os debates transformando em meros programas de internet dele”. Em resposta, Marçal acusou Datena de ter praticado assédio sexual contra uma funcionária da Band.
— Os playboys da cidade de São Paulo não sabem o que eu vou falar agora, mas quem é da quebrada sabe. “Homem é homem, mulher é mulher, estuprador é diferente” — disse, citando uma música dos Racionais MC’s. — Tem alguém aqui que é ‘jack’ (gíria para estuprador). É alguém que responde por assédio sexual. Essa pessoa dá pena — disse, em relação ao apelido de “Dapena” que usa para se referir ao apresentador.
O caso citado é uma denúncia feita pela repórter Bruna Drews, em janeiro de 2019. Datena a processou por calúnia e difamação. Nove meses depois da acusação, ela assinou uma retratação em um cartório de São Bernardo do Campo. Em uma representação feita no Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a mulher alegou que Datena lhe disse que ela não precisava emagrecer pois “era muito gostosa” e que teria dito que era um desperdício ela “namorar uma mulher”. Em entrevista ao portal Universa, em outubro de 2019, ela disse que foi “induzida pelos advogados de Datena” a assinar a carta na qual se retratou pela acusação.
— Eu queria que você pedisse perdão para as mulheres — seguiu Marçal. — É só ir no Google digitar, você está pagando talvez milhões pelo silêncio dessa mulher, acho que é ex-funcionária da Band. Explique e peça perdão para todo o eleitorado feminino do Brasil inteiro. Você tocou na vagina dela, como foi essa questão de assédio sexual seu? — falou Marçal.
Datena então afirmou que o caso foi arquivado e que a mulher lhe pediu desculpas pela acusação:
— Foi uma acusação que a Polícia não viu provas nenhuma, nem investigou, o MP arquivou o processo, a pessoa que me acusou se retratou publicamente em cartório, pediu desculpas para mim e para minha família, foi um desgaste grande para a minha família, ser acusado de um crime destes é terrível e o Pablo Marçal continua sendo ladrãozinho de banco devidamente acusado e condenado
Marçal provocou na tréplica, dizendo para o apresentador falar qual o nome do banco envolvido no suposto roubo que ele faria o Pix.
— Você é só um mentiroso, comunista, e você precisa saber disso, tem gente aqui que não respeita mulher, essa pessoa se chama Datena, e dá pena mesmo — falou Marçal.
Marçal foi condenado por furto qualificado em 2010. Investigação da Polícia Federal apontou que ele integrava um grupo de pessoas que disparava e-mails com assuntos chamativos como a promessa de adesão a programas sociais do governo e conteúdos pornográficos para atrair vítimas e roubar senhas bancárias. O ex-coach chegou a ficar preso temporariamente por dois dias no curso do inquérito.
De acordo com a PF, Marçal tinha conhecimento da prática e atuava selecionando os e-mails que seriam alvos do grupo. Ele chegou a ser condenado a quatro anos e cinco meses de prisão por furto qualificado e associação criminosa por ter sido apontado como integrante de uma quadrilha que roubava valores de contas bancárias por meio da instalação de vírus em computadores, mas a pena foi extinta por prescrição do processo.
Estratégia nas redes
Os candidatos usaram o debate para alavancar as redes sociais. Nunes chamou os telespectadores a acessarem seu Instagram para ver um vídeo no qual Marçal fala sobre a proposta de ter “um ônibus da maconha”. Depois, a chamada foi para ver uma publicação na qual Boulos defende a descriminalização das drogas. Boulos, por sua vez, fez questão de chamar quem assistia para acessar seu Instagram e ver uma notícia que fala da noite em que Nunes foi detido por atirar na frente de uma boate, em São Paulo. Tabata, por sua vez, usou a estratégia para apresentar suas propostas para a segurança pública.
— Estou colocando agora nos meus stories um vídeo de como a gente vai desmontar essa indústria do crime com inteligência — falou, fazendo referência às suas ideias para diminuir o furto e roubo de celulares na cidade.
Embate com Marina Helena
Ao contrário do que aconteceu em outros debates, em que trocaram elogios, Marina Helena (Novo) e Marçal tiveram um momento de desentendimento no embate deste domingo. Marçal questionou a candidata sobre o que ela estaria descobrindo em suas investigações sobre Nunes, o que incomodou a economista, que disse que o oponente evitava fazer perguntas diretamente a ela.
Em sua réplica, Marina Helena perguntou se Marçal era a favor do impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O ex-coach tem evitado ataques diretos ao ministro nas entrevistas e sabatinas.
O candidato respondeu mencionando vídeos em suas redes, gravados ao lado do senador de Minas Gerais Cleitinho (Republicanos) nos quais que pedia votos pelo impeachment de Moraes, e perguntou por que Marina não fazia o mesmo. Marina Helena lembrou, então, o evento do dia 7 de setembro, onde o impeachment era uma das principais pautas e Marçal chegou atrasado:
— Você perguntou se eu postei ou não? Claro que postei. Aliás, eu cheguei no horário da manifestação do 7 de setembro. Fiz discurso em um caminhão de som […] E estávamos lá por um único motivo: o fim da censura no nosso país. É importante que as verdades sejam ditas. E uma delas é Fora Xandão — ela afirmou.
Marçal e Nunes disputam o voto conservador na capital paulista. O ex-coach chegou ao final do ato e reclamou dos organizadores por não poder subir no palanque, embora, segundo os responsáveis, as atividades já tivessem se encerrado naquele horário.
Também na disputa pelas pautas da direita, Nunes se esquivou de uma pergunta sobre o aborto. O apresentador Leão Serva perguntou a ele: se reeleito, pretende adotar que postura em relação ao SUS e ao aborto? Ao que Nunes respondeu:
— Cabe aqui um esclarecimento: a prefeitura de SP cumpre a legislação e as determinações judiciais. No Hospital de Cachoeirinha (acusado de dificultar abortos legais sob a gestão Nunes), os médicos desejaram e fizeram um remanejamento de atendimento para atender a mulheres com endometriose. Eu tenho muito orgulho de que nós tínhamos lá em 2016 três UPAs na cidade, hoje são 30 — disse.
Participam do debate da TV Cultura os seis candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto: Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB), José Luiz Datena (PSDB) e Marina Helena (Novo). Este é o quinto debate desta campanha.
O debate terá cinco blocos, o primeiro será de perguntas programáticas sobre temas pré-definidos pela produção, e do segundo ao quarto haverá confrontos diretos entre os candidatos. O último bloco será dedicado às considerações finais.
Chegada ao debate
Na chegada, antes de entrarem para o debate, os candidatos falaram sobre estratégias para o encontro e a sequência da campanha. Tabata se centrou nos ataques a Marçal:
— Pablo Marçal tem esse tamanhozinho, quem se descontrola com ele nao está pronto para governar São Paulo — disse. — É um homem condenado, responde por homicídio, investigado por lavagem de dinheiro. O que ele tem pra me acusar? Chatabata? Eu achei é graça e estou aderindo ao apelido, encaixou bem.
Datena comentou o choro na sabatina promovida pela Folha e o Uol, na sexta-feira (13):
— Emoção não significa ser baixo astral. Emoção significa ter coração, você é ser humano. Eu prefiro minha versão mais humana, mais light — afirmou o apresentador. — Dessa vez eu não vou reagir coisa nenhuma, minha resposta será o silêncio — disse sobre eventuais provocações no debate.
Nunes também criticou, ainda que indiretamente, as estratégias de Marçal, com quem disputa o voto da direita na eleição paulistana:
— Teve candidatos que tiveram crescimento muito rápido, colocando fatores que não condizem com a verdade. É como pegar um litro de água, jogar sujeira e misturar, mas depois vai decantando, quando decanta você consegue perceber o que é sujeira — afirmou. — Nao podemos tratar um debate como um palco para fazer um espetáculo.
Boulos também falou sobre as estratégias para o embate com o candidato do PRTB, além de comentar o aumento da participação de Lula na campanha — o Datafolha mostrou que o candidato captura apenas 48% dos votos daqueles que optaram pelo presidente em 2022 :
— Eu não vim pra bater boca com candidato, vim pra dialogar com o eleitor de São Paulo. É um desrespeito com o eleitor ter um comportamento rebaixado. Claro, que nenhuma mentira vai ficar sem resposta — disse. — Estive com o presidente, fizemos gravações, que devem ir amanhã ao programa eleitoral — adiantou.
Marçal, por sua vez, comentou as mudanças de regras do debate, prometeu atacar adversários e usou o discurso bolsonarista para atrair votos da direita:
— Todos os debates apresentam regras, daí mudam as regras, porque tem um consórcio comunista do Brasil empenhado com alguns militantes para atrapalhar nosso sonho de ter alguém diferente — afirmou. — O Nunes que se prepare que vou lançar uma bola no peito dele que ele vai se arrepender de ter vindo — disse.
A organização do debate criou regras para tentar impedir as polêmicas dos encontros anteriores, como os embates ríspidos e as provocações feitas para gerar “cortes” de vídeos descontextualizados nas redes sociais. A presença de público foi limitada a poucos integrantes das campanhas e as respostas não tinham as “telas divididas” entre dois candidatos, usadas por Marçal para fazer gestos para a câmera enquanto o adversário respondia.
Pesquisas mostram cenário embolado
O pano de fundo desse debate, segundo as últimas pesquisas de intenção de voto, é um cenário embolado na disputa pela prefeitura paulistana. A pesquisa Datafolha divulgada na última quinta (12) mostrou queda de Marçal e crescimento de Nunes fora da margem de erro. O atual prefeito aparece com 27% das intenções de voto, empatado com Boulos com 25%. O candidato do PRTB teve 19% da preferência, e Tabata vem em quarto com 8%, tecnicamente empatada com Datena, que somou 6%. Marina Helena chegou a 3%.
Os resultados da pesquisa guardam distinções para o cenário indicado no dia anterior pela pesquisa da Quaest, que mostrava vantagem numérica para Nunes (24%) frente a Marçal (23%) e Boulos (21%), com os três empatados. As pesquisas foram feitas com dois dias de diferença e adotam metodologias distintas, o que não permite uma comparação direta entre elas.
Próximos debates
Nesta semana, os candidatos se encontrarão ainda se enfrentarão outras vezes. Na terça-feira (17), a Rede TV e o portal UOL promovem seu evento às 9h30. Já na sexta (20) é a vez do SBT, a partir das 11h15. No dia 28, a Record TV promoverá um debate às 21h, e a TV Globo fará o seu em 3 de outubro, a partir das 22h. No segundo turno, estão previstos debates na Band, na RedeTV e na TV Globo.
A partir desta segunda, o GLOBO realiza sabatinas com os cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas, em parceria com a Rádio CBN e com o jornal Valor Econômico. O primeiro entrevistado será Ricardo Nunes. Na quarta-feira, será a vez de Datena e na quinta de Tabata Amaral (PSB). Já no dia 23, é Pablo Marçal (PRTB) quem será entrevistado, seguido de Guilherme Boulos (PSOL) no dia 24.