Famílias denunciam suspensão de tratamentos, enquanto clínicas citam falta de pagamento por convênios.
Por Eric Souza, Mariane Aquino, Izabella Lima*, g1 PI
Na quarta-feira (24), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional Piauí, sediou uma audiência pública que discutiu as dificuldades enfrentadas pelas famílias atípicas na obtenção de terapias adequadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Após a audiência, ficou decidido que as clínicas que suspenderam os atendimentos têm 24 horas para regularizarem os serviços.
Nas últimas semanas, mães denunciaram a suspensão de tratamentos de crianças com autismo em Teresina e clínicas alegaram falta de pagamento por parte dos convênios.
Durante a audiência, foram expostos casos de cancelamento e suspensão de terapias para pessoas com autismo, deixando muitas famílias sem acesso aos cuidados necessários. Em resposta às preocupações levantadas, a advogada Mirna Mouzinho, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB Piauí, anunciou medidas decisivas para garantir a regularização imediata dos serviços.
“As clínicas credenciadas pelos planos de saúde têm um prazo máximo de 24 horas para resolver os problemas relatados hoje. Caso não haja uma resposta satisfatória por parte dessas instituições, as famílias atingidas podem buscar apoio na DECCOTERC e outras instâncias competentes, como a OAB e o Ministério Público. Nenhum autista pode continuar sendo prejudicado”, enfatizou Mirna Mouzinho.
Suspensão dos atendimentos
Clínicas que fazem tratamentos para crianças e adolescentes com autismo denunciaram que os tratamentos oferecidos por pelo menos dois convênios, Humana Saúde e Unimed, foram suspensos em clínicas particulares de Teresina. Segundo uma das clínicas, a mudança foi adotada pela redução dos pagamentos por parte das operadoras dos planos, iniciada em fevereiro de 2024.
Procurada, a Humana Saúde informou, por meio de nota, que não alterou e nem cancelou o contrato de nenhuma clínica de terapia para crianças com neurodiversidade, o que inclui autismo, dislexia e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). A Unimed afirmou que não houve nenhum cancelamento de terapia ocupacional para crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) para seus clientes. Confira as manifestações ao final da matéria.
Uma das clínicas que denunciam a suspensão de atendimento explicou em um comunicado enviado aos pacientes beneficiários da Humana que, desde o começo deste ano, houve um “aumento considerável” no número de glosas(faturamentos não recebidos ou recusados por problemas de comunicação entre as clínicas e os convênios). No ano passado, o mesmo problema teria ocorrido, mas as dívidas foram quitadas.
“Além de não receber o pagamento integral pelos serviços prestados, a Humana Saúde também não fornece justificativas plausíveis para a falta de pagamento. Vale trazer à tona que a clínica buscou inúmeras tentativas de resolução desse débito, inclusive tentando reuniões com a diretoria”, diz um trecho do comunicado.
Mães relatam tratamentos prejudicados
A fisioterapeuta Cristiely Monteiro é mãe de um garoto de cinco anos, que possui transtorno do espectro autista (TEA). Desde os dois, ele era acompanhado por psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicomotricista. No entanto, todos os quatro tratamentos foram interrompidos pela clínica que o atendia por meio da Humana Saúde.
De acordo com Cristiely, ela e o filho já tinham enfrentado a mesma situação em outras clínicas, que suspendiam os atendimentos devido a “demora” nos pagamentos. Enquanto a criança não tem acesso aos serviços, a mãe faz o possível para cuidar de sua saúde.
“Tentamos estimular o máximo que podemos em casa, mas nada substitui os terapeutas. Faço parte de um grupo com mais de 60 mães de crianças com autismo, a maioria foi prejudicada. Mas há outros grupos”, ressalta a fisioterapeuta.
Terapias de até R$ 4 mil como alternativa
Uma dessas mães é a dona de casa Janaína Aguiar, que tem dois filhos com TEA: um de cinco e outro de seis anos. Ela aponta que cada criança é atendida por um plano de saúde diferente (Humana Saúde e Unimed) e que as duas tiveram os tratamentos interrompidos.
Janaína conta que a clínica deixou de atendê-los sem aviso prévio informando que pacientes seriam remanejados para outro local, mas não deram mais detalhes.
“Um dos meus filhos é nível de suporte 3 [necessita de apoio substancial]. Antes da terapia ocupacional e das outras terapias, ele não falava nada. Teve uma boa evolução com o tratamento e agora tende a regredir”, lamenta a mãe.
Como alternativa, a clínica sugeriu orçamentos de terapias diárias, mensais e semestrais com valores que chegam até a R$ 4 mil. “Não tenho condições para isso. Já existe o plano para pagar, é uma situação muito difícil”, desabafa.
Retomada dos serviços
O Advogado Williams Cardec, Presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB Piauí, complementou as medidas anunciadas, destacando a urgência das ações a serem tomadas caso as clínicas não cumpram com suas obrigações.
“Tivemos discussões intensas abordando todas as questões que envolvem os planos de saúde. Identificamos questões críticas, incluindo a necessidade urgente de retomada dos serviços por parte das clínicas que suspenderam o atendimento aos pacientes com autismo. Estabelecemos um prazo de 24 horas para a resolução desses problemas. Caso não haja cumprimento, tomaremos medidas legais junto à Polícia Civil e administrativas com o apoio do Procon”, afirmou Williams Cardec.
O que dizem os planos de saúde
Leia a manifestação da Unimed:
Nota Oficial Sobre suposto cancelamento de terapia na Clínica Mundo Mágico
A Unimed Teresina esclarece que não houve nenhum cancelamento de terapia ocupacional para crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) para seus clientes. Como também, afirma que não aconteceu qualquer outro cancelamento de terapias especiais em nenhuma outra clínica de terapias especiais da extensa rede credenciada da operadora.
Sempre se demonstrando sensível ao tema, a Unimed Teresina inaugurou o THEAcolher, em agosto de 2023, um espaço exclusivo para tratamento do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) com intervenções baseadas na ciência ABA – Análise do Comportamento Aplicada. Sendo a única operadora de saúde da região a fazer um alto investimento com o objetivo de entregar aos beneficiários uma estrutura própria completa, com equipe multidisciplinar, terapias exclusivas e individualizadas.
Além disso, reafirma que tem a atenção de seguir rigorosamente todas as regras, critérios técnicos e regulatórios estabelecidos para garantir a qualidade do atendimento aos beneficiários. Por fim, ressalta que está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Confira a manifestação da Humana Saúde:
A Humana Saúde informa que não alterou e nem cancelou o contrato de nenhuma clínica de terapia para crianças com neurodiversidades (TDAH, Transtorno do Espectro Autista e dislexia) em Teresina.
A operadora esclarece ainda que está aprimorando o controle dos serviços realizados pelas clínicas credenciadas, visando uma melhoria para os seus beneficiários.
A Humana reforça que segue rigorosamente as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e honra o cumprimento dos contratos realizados com seus prestadores de serviço.
A Humana Saúde se coloca à disposição dos beneficiários que tiveram os atendimentos suspensos indevidamente por clínicas terceiras, a fim de serem garantidos os atendimentos.