Alívio temporário: tarifa de 50% dos EUA deixa de valer para parte dos produtos, mas estragos já foram feitos
Pelo menos até que Donald Trump mude novamente de ideia, a taxação de 50% anunciada por ele para quase 700 produtos brasileiros não deve mais entrar em vigor para boa parte dessa lista. No entanto, mesmo sem a aplicação integral da medida, os efeitos já foram significativos: geraram incertezas, prejuízos e abalaram as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos como há muito não se via.
A tensão foi tanta que economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV) passaram a analisar os possíveis impactos desse tarifaço em diferentes regiões do Brasil. Em um país com grande diversidade econômica, cada região tem um perfil próprio de exportações: o Sudeste lidera com setores como aço e petróleo; o Nordeste é forte na produção de frutas, mel e pescados; o Centro-Oeste, no agronegócio; e o Norte exporta de produtos vegetais a eletrônicos.
Por isso, a simples inclusão de certos itens na lista de produtos taxados gerou forte apreensão em cadeias produtivas regionais. Um exemplo é o mel, cuja maior parte da produção exportada aos Estados Unidos vem do Piauí.
Na empresa que beneficia o mel no estado, o clima é de total incerteza. Samuel Araújo, CEO do Grupo SAMA, destaca o impacto social da atividade:
“Somos abastecidos por agricultores familiares. Hoje, cerca de 85% dos apicultores têm na apicultura sua principal fonte de renda. A cadeia tem uma importância social enorme, e todo mundo está apavorado”, afirma.
O apicultor José Claro de Souza, que trabalha no sul do Piauí, já sente os reflexos, mesmo antes da entrada oficial da medida:
“Esperávamos vender o quilo do mel entre R$ 18 e R$ 18,50. Agora, estão começando a pagar R$ 15. Se continuar assim, ainda dá. Mas se baixar mais, fica inviável continuar.”
No estado do Rio de Janeiro, o petróleo — principal produto exportado — ficou de fora da taxação, o que trouxe alívio. No entanto, o aço, segundo produto mais relevante na pauta de exportações fluminenses, já vem sendo taxado em 50% desde junho.
“O fato de o petróleo ter sido poupado é crucial. A economia do Rio depende cerca de 60% dele”, comenta Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan.
O estudo da FGV mostra que o impacto da taxação não será uniforme e pode acentuar desigualdades regionais. A gravidade das consequências depende do peso das exportações para os EUA na economia local, do tipo de produto exportado e até do nível de qualificação da mão de obra.
Segundo a análise, o Nordeste corre o maior risco, por sua forte dependência de produtos primários e pela alta concentração de trabalhadores nesse setor. O Norte também enfrenta risco elevado. O Sul, com exportações diversificadas, como carnes e móveis, foi classificado como de risco médio. Já o Sudeste, mais industrializado e com produtos que escaparam do tarifaço, teve risco considerado baixo a médio. O Centro-Oeste, por sua vez, apresenta risco baixo, devido à diversidade de mercados parceiros.
Flávio Ataliba Barreto, pesquisador da FGV IBRE e autor do estudo, alerta: os estados mais afetados precisam buscar novos destinos para seus produtos, e o governo deve pensar em políticas públicas específicas para cada realidade regional.
“O Brasil precisa ampliar seus parceiros comerciais e diversificar sua base produtiva. Isso cria um colchão de proteção para a economia, tornando-a menos vulnerável a choques externos — sejam tarifas, guerras ou outras crises”, conclui.
