O governo federal publicou apenas nesta sexta-feira (30), um dia depois do incêndio que afetou o galpão da Cinemateca Brasileira em SP, o edital de chamamento público para a escolha de uma “entidade privada sem fins lucrativos” para gerir o órgão por cinco anos.
A publicação do edital era uma promessa feita pela Secretaria Especial de Cultura, do Ministério do Turismo, ao Ministério Público Federal, para finalizar uma ação por abandono da Cinemateca, que está suspensa após acordo judicial entre as partes.
Na ocasião do acordo, os representantes do governo federal tinham se comprometido, em 12 de maio, a enviar os documentos em até 45 dias corridos para escolha da entidade e tomar outras providências para reverter a situação de abandono da Cinemateca.
A data venceu no final de junho sem a publicação do edital de chamamento. Mas depois de uma audiência de conciliação no último dia 20 de julho, a Justiça deu mais 60 dias para a União Federal dar continuidade às ações de preservação do patrimônio, escolhendo a entidade que vai gerir o órgão.
Nesta sexta (30), o Diário Oficial da União publicou o edital para a escolha da entidade gestora, que, segundo o documento, “deverá executar atividades de guarda, preservação, documentação e difusão do acervo audiovisual da produção nacional por meio da gestão, operação e manutenção da Cinemateca Brasileira.”
O edital diz que a publicação do resultado provisório sobre a entidade escolhida para gerir a Cinemateca ocorrerá até 27 de outubro de 2021.
Segundo o documento, poderão participar da seleção “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, com natureza de associação civil ou fundação (art. 44, inciso I e III, da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil), cujas atividades sejam dirigidas à cultura”.
Oficialmente, a Cinemateca Brasileira está sem entidade gestora desde 31 de dezembro de 2019, quando venceu o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), antiga gestora do espaço.
Em nota divulgada no início da tarde desta sexta (30), o Ministério Público Federal falou sobre o incêndio e afirmou que a prioridade atual é de “salvamento do material restante e a prevenção de nova tragédia”.
“Só depois de finalmente implantada uma nova entidade gestora para a Cinemateca se deverá pensar na apuração de responsabilidades individuais, embora a Polícia Federal já esteja, cautelarmente, cuidando da perícia criminal no local, para ser investigada a causa do incêndio”, declarou o MPF.
Alerta de incêndio e abandono
Em audiência realizada no último dia 20, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) alertou o governo federal, responsável pela Cinemateca Brasileira, para o risco de incêndio.
O galpão da Cinemateca, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, pegou fogo no início da noite desta quinta-feira (29), nove dias depois da audiência.
“Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”, diz o termo da audiência.
O risco de incêndio foi observado tanto na sede da Cinemateca, na Vila Mariana, como nos galpões da Vila Leopoldina.
Segundo a capitã dos bombeiros Karina Paula Moreira afirmou à GloboNews, “o incêndio começou em uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. Essa parte é dividida entre três salas, uma delas com acervo de filmes entre 1920 e 1940 e uma das salas de arquivo impresso, também histórico. Estamos levando o que foi queimado e preservado dentro dessas três salas – provavelmente nada. Porém, no andar térreo, tem uma parte grande do acervo histórico que não foi atingida”, afirmou.
No prédio, ficavam gravados 1 milhão de documentos da antiga Embrafilme, como roteiros, artigos em papel, cópias de filmes e documentos antigos. Alguns tinham mais de 100 anos e seriam usados na montagem de um museu sobre o cinema brasileiro.
Em nota, a Secretaria Especial da Cultura afirmou que “todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição. A Secretaria já solicitou apoio à Polícia Federal para investigação das causas do incêndio e só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico. Por fim, o governo federal, por meio da Secretaria, reafirma o seu compromisso com o espaço e com a manutenção de sua história”, diz o texto.
A audiência faz parte de ação do MPF contra a União por abandono da Cinemateca. Na sessão realizada pela Primeira Vara Federal participaram os procuradores da República, representante da associação de moradores da Vila Mariana, um advogado da União, o secretário adjunto da Secretaria Especial de Cultura, a Diretora de Departamento de Políticas Audiovisuais e a Associação Paulista de Cineastas.
O documento diz ainda que alguns pontos da audiência anterior, em maio, foram cumpridos, e outros ainda estão em andamento. O governo federal tinha 45 dias, até o início de julho, para mostrar ações implementadas pela preservação do patrimônio.
Mas depois da audiência da última semana, a Justiça deu mais 60 dias para a União Federal dar continuidade nas ações de preservação do patrimônio.
“Depois de várias manifestações a respeito de cada um dos pontos de interesse desta ação, houve a proposta da continuidade da suspensão do processo, pelo prazo de 60 (sessenta dias), para que a União Federal possa dar continuidade às medidas que já vêm sendo tomadas”.
O procurador Gustavo Torres Soares voltou a dizer nesta quinta-feira que o MPF já alertava a Justiça sobre as condições precárias da Cinemateca e também sobre o risco de incêndio do acervo desde julho de 2020. Segundo o procurador, o governo iniciou o processo de chamamento de uma nova entidade para gerir a Cinemateca e a contratação emergencial de uma empresa para cuidar do local. No entanto, O MPF critica a demora no processo.
Crise
Funcionários e entidades realizaram diversos protestos no ano passado, denunciando que a instituição passava pela maior crise desde a sua fundação, em 1946, sem recursos para o básico, incluindo atrasos em salários, contas de água e energia, fim do contrato com a brigada de incêndio e com a equipe de segurança.
O primeiro acordo entre o Ministério Público Federal e a União ocorreu em uma audiência virtual de conciliação em maio, que havia sido determinada pela Justiça Federal em São Paulo em agosto de 2020. O conteúdo do encontro foi pautado pelas determinações do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3), que atendeu a um recurso do procurador da República Gustavo Torres Soares em dezembro.
O governo informou que atendeu às medidas determinadas pelo TRF-3, pois realizou os contratos emergenciais com brigadistas, vigilantes e para manutenção predial, acrescentou que outros contratos estão em fase de pregão e que está em vias de contratar uma nova gestora, recontratar 42 funcionários e restabelecer um conselho deliberativo. Por este motivo, Ferraz e Oliveira propuseram ao procurador que encerrasse o processo movido pelo Ministério Público Federal.
O procurador Gustavo Soares propôs, então, que antes de falar em um Termo de Ajustamento de Conduta e conclusão do processo, o governo comece comprovando a implementação desses serviços emergenciais, e que também apresente um cronograma para a recontratação de antigos funcionários técnicos, para a contratação de uma nova gestora e para a recomposição de um conselho, com representantes da sociedade civil e da categoria audiovisual.
Os representantes do governo se comprometeram a enviar os documentos deram o primeiro prazo de até 45 dias corridos, a contar a partir de 12 de maio.
“Este é um prazo seguro: até lá teremos um edital de chamamento com o cronograma para entrega da gestão para uma Organização Social e teremos finalizado a parte burocrática que hoje nos entrava para recolocação dos trabalhadores. Estamos à disposição. Há uma politica de transparência sobre os atos que serão tomados”, garantiu Helio Ferraz, diretor do Departamento de Políticas Audiovisuais.
Fonte: G1