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Poluição forma ‘rochas de plástico’ e coloca em risco arquipélago isolado mais remoto do Brasil

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Pesquisadores identificaram que rochas formadas por plástico na Ilha da Trindade — o ponto mais remoto e isolado do Brasil — estão se espalhando. Agora, fragmentos dessas rochas já aparecem em ninhos de tartarugas-verdes, espécie que tem ali sua maior área de desova no país.

As chamadas “rochas de plástico” foram descobertas em uma pesquisa inédita iniciada em 2019. Elas são compostas principalmente por pedaços de cordas de pesca que se fundiram à superfície da ilha, além de resíduos como borracha e outros materiais.

Mesmo sendo um paraíso quase inabitado e fechado ao turismo, Trindade sofre com a poluição ambiental. Cordas presas às pedras, sapatos, vidros, madeiras e garrafas com rótulos asiáticos são encontrados em diversos pontos, trazidos pelas correntes marítimas. Na última coleta, cerca de 300 kg de lixo foram retirados do local.

🏝️ A Ilha da Trindade, situada a 1.160 km da costa, é uma Área de Proteção Ambiental (APA) sob controle da Marinha. Abriga até 46 pessoas, entre militares e pesquisadores, que permanecem por períodos de até quatro meses. O trajeto até lá leva quatro dias em um navio da Marinha.

🌊 Trindade integra a cadeia de montes submarinos vulcânicos Vitória-Trindade, que termina na Ilha de Martin Vaz. Juntas, formam o ponto mais distante do litoral brasileiro, com rica biodiversidade e espécies exclusivas.

Após a descoberta das rochas plásticas, os cientistas observaram que elas estão crescendo e alcançando novas áreas. Fragmentos já foram achados junto aos ninhos das tartarugas, comuns no arquipélago.

Os pesquisadores agora investigam de que forma o plástico afeta o ecossistema local, inclusive a reprodução e a sobrevivência desses animais.

“Observamos que as rochas estão se espalhando e sendo soterradas até alcançar os ninhos das tartarugas. Isso mostra que a poluição plástica já penetrou não só os ecossistemas marinhos”, afirmou Fernanda Avelar, pesquisadora da FAPESP e da Universidade de Western (Canadá).

O objetivo é analisar impactos diretos, como a ingestão de plástico e possíveis mortes dos animais.

“Esses animais podem sofrer consequências diretas com a expansão dessas rochas”, acrescentou Fernanda.

Os cientistas confirmaram que as correntes marítimas são responsáveis por transportar o lixo deixado em praias do mundo todo até Trindade. Resíduos jogados por embarcações também contribuem para a poluição.

Entre julho e agosto, foram recolhidos 446 itens, incluindo:

🥿 Borracha (principalmente de calçados);

🌳 Madeira;

🛠️ Metal;

🎣 Nylon;

🥤 Plástico;

🍾 Vidro.

Para conter a poluição, voluntários do ICMBio e da Marinha realizam coletas frequentes. Na última ação, durante o Dia Mundial da Limpeza, 32 pessoas retiraram cerca de 300 kg de lixo.

Expedição Trindade

A equipe embarcou em um navio da Marinha e produziu quatro reportagens, de quinta (9) a domingo (12), destacando pesquisas inéditas sobre a ilha, como corais usados em estudos contra o câncer, samambaias testadas como pesticidas e a rotina dos pesquisadores no arquipélago.

Paraíso ameaçado

Um levantamento do ICMBio revelou que a quantidade de partículas plásticas no oceano aumentou mais de dez vezes entre 2005 e 2019. Ilhas oceânicas e montes submarinos, como Trindade, são fundamentais para o ciclo de vida e migração da megafauna marinha, servindo como áreas de alimentação, descanso e reprodução.

Devido ao isolamento, Trindade abriga espécies únicas. Peixes ainda são descobertos, como o Acyrtus simon, peixe-ventosa rosado que se fixa nas rochas para não ser levado pela correnteza.

Nesse ambiente diverso, o plástico também se instalou. Segundo o ICMBio, o lixo de várias origens e nacionalidades se acumula principalmente nas praias dos Andradas, das Tartarugas e dos Cabritos.

“O lixo provavelmente chega por grandes massas d’água que cruzam os oceanos ou é descartado irregularmente por embarcações”, explicou o órgão.

Entre 2024 e 2025, os resíduos mais comuns foram fragmentos de plástico rígido e cordas de nylon, além de isopor, madeira e borracha, com usos variados — de produtos náuticos a embalagens e calçados. Os resíduos gerados na ilha são separados, reciclados, incinerados ou compostados.

O ICMBio afirma que o monitoramento ainda é preliminar, mas servirá de base para futuras pesquisas.

A bióloga Mariana Ughini, da UFSC, participou como voluntária e relatou:

“Encontramos muitos fragmentos de plástico, grandes e pequenos. Há uma barreira de plástico justamente na área de desova das tartarugas. É um problema muito sério.”

Rochas de plástico

Quando chegam ao oceano, os resíduos se fragmentam até virar microplásticos. Essas partículas acabam se fixando às rochas da ilha.

A pesquisadora Fernanda Avelar publicou o primeiro artigo sobre o tema, identificando que o material mais comum era corda de pesca. O plástico se funde às rochas e à areia, formando conglomerados de aparência rochosa, difíceis de remover.

As rochas têm tom esverdeado e são facilmente reconhecidas por conter materiais artificiais.

“É fácil identificar uma rocha criada pela ação humana, basta observar o plástico visível na composição”, explicou Fernanda.

Na atualização da pesquisa, em 2024, ela confirmou que o material se espalhou.

“A poluição plástica está se tornando parte do registro geológico da Terra, um testemunho permanente do impacto humano sobre a natureza”, concluiu.